Barra do Riacho

Barra do Riacho é um bairro localizado no litoral do município de Aracruz-ES e banhado de norte a sul pelo leito do rio Riacho. Sua formação histórica está fortemente ligada à presença de uma tradicional comunidade pescadora, dada a abundância hídrica que o município possui, sendo cortado por rios, córregos e riachos, além de ser banhado pelo oceano Atlântico. Todavia, trata-se hoje de uma localidade pescadora sufocada por grandes projetos de desenvolvimento, que afetam diretamente a história e a prática da pesca local.

Nesta seção da Casa das Águas, visitantes podem observar imagens fotográficas organizadas no formato de narrativas visuais e relatos de pessoas entrevistadas: depoimentos transcritos, áudios (podcasts) e vídeos. O acervo é fruto dos trabalhos realizados pelo GEPPEDES/UFES (Grupo de Estudos e Pesquisas em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento), no âmbito de projetos de pesquisa e extensão que foram desenvolvidos entre os anos de 2012, 2016-2018.

O município de Aracruz abriga duas unidades de conservação predominantemente marinhas, criadas em 2010: a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa das Algas e o Refúgio de Vida Silvestre (Revis) de Santa Cruz, que estão inseridas no bioma de Mata Atlântica e nos ecossistemas de restinga e manguezal. Em conjunto com o município vizinho de Linhares, Aracruz compartilha ainda o espaço destinado para a Reserva Biológica (REBIO) de Comboios, criada em 1984, uma área de proteção integral para pesquisa e manejo das tartarugas marinhas (desova e conservação das espécies). São destinados à reserva 293,85 ha, correspondentes a 35% da costa marítima do município, fato que alterou significativamente a prática da pesca na região, dado o impedimento da atividade nestas áreas.

A partir do final da década de 1960 a configuração da tradicional vila pesqueira de Barra do Riacho, tornada posteriormente bairro, foi drasticamente alterada, sobretudo com a chegada dos grandes empreendimentos voltados aos complexos industriais da celulose e do petróleo/gás e suas logísticas. Seguindo a linha do tempo, destacam-se os seguintes grandes empreendimentos: Aracruz Florestal (1967), dando início a monocultura do eucalipto na região; Aracruz Celulose Fábrica A (1978), destinada ao processamento e branqueamento de celulose de eucalipto; Imetame Metal Mecânica (1980), atua em diferentes ramos da produção (papel, celulose, mineração, petróleo e gás, siderurgia); Portocel I (1985), porto exclusivo da Aracruz Celulose S.A. (chamada posteriormente de Fibria, atualmente de Suzano) para embarque e exportação da celulose; Aracruz Celulose Fábrica B (1991), expansão industrial; Construção do Canal Caboclo Bernardo (1999) destinado a desviar os recursos hídricos do rio Doce (em Linhares) para o abastecimento industrial da Aracruz Celulose (para a fábrica C em construção); Aracruz Celulose Fábrica C (2002), expansão industrial; Construção do Estaleiro Jurong Aracruz (2011), destinado à construção e reparos navais (plataformas, navios-sonda, embarcações de apoio marítimo); Terminal Aquaviário Barra do Riacho (2012), pertencente à Petrobras, responsável pela estocagem de gás natural e gasolina.

A instalação desses megaempreendimentos trouxe sérias repercussões socioambientais à região, atingindo diretamente as tradicionais populações pescadoras e os povos indígenas que habitam o município de Aracruz, bem como suas práticas, saberes e direito de existência. No caso dos povos indígenas Tupiniquim e Guarani, sabe-se que foram submetidos a processos violentos de expropriação de terras decorrentes do avanço da monocultura do eucalipto na região com a chegada da empresa Aracruz Florestal, na década de 1960, e posteriormente com a instalação das fábricas da Aracruz Celulose nas décadas seguintes. Dentre os muitos problemas causados pelo complexo industrial da celulose merece destaque, ainda, a questão hídrica local. Há, até hoje, significativa diminuição dos níveis fluviais por conta da apropriação, represamentos e desvio de rios, córregos e riachos (por ação da própria empresa), impactando diretamente o ciclo das águas e a prática pesqueira. Sabe-se que o processo de fabricação de celulose exige o consumo de grandes volumes de água, e que o mesmo foi estrategicamente planejado para acontecer num local abundante em recursos hídricos. Assim, ao passo que os habitantes locais sofrem com a escassez hídrica, incluindo os pescadores e pescadoras que são afetados pelo represamento das águas e o assoreamento do rio Riacho (incluindo o fechamento sistemático da Boca da Barra, na passagem da foz), a empresa acumula seu lucro se apropriando das águas do lugar. A qualidade do ar também é comprometida por conta dos gases expelidos pelas fábricas no processo de produção da celulose, fazendo circular nas imediações um odor desconfortável.

Ainda nesse contexto dos megaprojetos, alguns pesqueiros tradicionais (locais com fartura de pescados) foram aterrados no processo de construção e/ou ampliação dos empreendimentos, este é o caso do Estaleiro Jurong Aracruz, que foi construído em cima de um antigo pesqueiro de camarão rosa, segundo relatos dos próprios pescadores, afetando todos os que viviam da pesca do camarão. Além das empresas já citadas, existem outras de porte médio instaladas nas imediações de Barra do Riacho, cujos efeitos insalubres sobre o ambiente e a qualidade de vida populacional também são significativos.

Em 2015, em decorrência do rompimento da barragem de mineração da Samarco/Vale/BHP Billiton, que ocorreu em Mariana-MG, e o carreamento da lama de rejeitos pela bacia do rio Doce até a sua foz e o oceano Atlântico, no litoral norte do Espírito Santo (distritos de Regência Augusta e Povoação), a atividade da pesca exercida pelos pescadores e pescadoras de Barra do Riacho foi severamente atingida. O desastre-crime tem repercutido até os dias de hoje, principalmente com a proibição da atividade pesqueira na linha de 20 metros da costa, entre os municípios de Aracruz e Linhares desde fevereiro de 2016, por conta de uma Ação Civil Pública. Cabe mencionar que a população afetada tem encontrado dificuldades para acessar as formas legais e justas de reparação desse desastre que é considerado um dos maiores da história da mineração no mundo.

Fontes:
-CREADO, E.; TRIGUEIRO, A.; TORRES, C. (org). Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimento e Ambientalismo. Vitória: ProeEx-UFES, 2018.
-IBGE. Censo de 2010.
-KNOX, W.; TRIGUEIRO, A. (Org.) Saberes, Narrativas e conflitos na pesca artesanal. Vitória: Edufes, 2015.
-TRIGUEIRO, A. e KNOX, W. Imagens da Pesca Artesanal no Espírito Santo. Vitória, ES: Editora GM, 2013.
-TRIGUEIRO, A.; CREADO, E.; ZANETTI, D. Encontros de rios e mar: áreas protegidas e grandes projetos de desenvolvimento em Barra do Riacho e Regência Augusta (ES). Vitória: ProeEx-UFES, 2018.
-SANTANA, N. P. Captação de recursos hídricos para o uso industrial e impactos na pesca em Barra do Riacho em Aracruz (ES). In. CREADO, E.; TRIGUEIRO, A.; TORRES, C. (org). Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimento e Ambientalismo. Vitória: ProeEx-UFES, 2018.
-MARACCI, M. T. A apropriação de territórios para monocultura de eucalipto, impactos socioambientais e conflitos territoriais no Espírito Santo – Brasil. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo. www.observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal10/Procesosambientales/Usoderecursos/26.pdf
-Trabalho de campo e entrevistas realizadas entre 2012-2013 e 2016-2018 com pescadores(as), lideranças locais e outros moradores de Barra do Riacho.

Narrativas Visuais

Não é o paraíso

Megaempreendimento em barra do riacho

Do Rio ao Prato

Entre Rios e Ruas

Sufocados pelo “progresso”

Fechamento da “Boca da Barra”

Homenagem aos antigos pescadores

Navegando pelo rio Riacho

Represamento do rio Riacho

Entrevistas

Entrevista com seu Juvenal, pescador antigo de Barra do Riacho

Entrevista realizada no dia 22/09/2017 com o senhor Juvenal Pinto Ribeiro, pescador da comunidade de Barra do Riacho, Aracruz.

Entrevista com seu Zuzu, pescador antigo de Barra do Riacho

 

Entrevista realizada no dia 28/03/2017 com o senhor Messias Agostinho Cordeiro, Seu Zuzu, morador da comunidade de Barra do Riacho

Entrevista com Sr Noel, pescador antigo de Barra do Riacho

 

Entrevista realizada no dia 20/02/2017 com o senhor Noel Matos, morador da comunidade de Barra do Riacho

Entrevista com seu Eutálio, pescador antigo de Barra do Riacho

 

Entrevista realizada no dia  22/09/2017 com o senhor Eutálio Matos, morador da comunidade de Barra do Riacho