A Vulnerabilidade Socioambiental Decorrente da Presença das Empresas

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2017

Entrevistado(a): Nós temos um problema sério aqui, porque essas empresas não fazem um plano de controle de emergência, um plano de evacuação. A comunidade, ela tá numa bomba relógio! Se você olhar ali na TABR (Terminal Aquaviário de Barra do Riacho), tem duas esferas enormes, (…) e, dentro delas, tá gás! É o gás que vem de Cacimbas [gasoduto da empresa Petrobrás, localizado no  município de Linhares – ES], pela tubulação, e entra dentro da esfera.

 

E aí o quê que acontece?  Essas esferas, se elas virem a explodir, a gente não tem um plano aqui de evacuação. A caldeira da Fíbria [refere-se tubulão de caldeira da empresa aludida], se explodir, não tem um plano de evacuação! Essa Evonik tá aqui dentro se explodir qualquer coisa aí, a gente não tem (…) saída!  Então, se você analisar hoje, tanto na saída da Barra do lado de cá, quanto na saída do lado de cá, há empresas. Do lado de cá, Nutripetro, Ultragás, se você for lá na Ultragás, você fica de bobeira! Ali é feito embasamento de gás toda hora! Enche as botijas toda hora! Em vários vasos de pressão ali. 

Entrevistador(a): Isso é uma coisa séria! 

Israel: Então, nós estamos de um lado e do outro presos! (…) Não tem um plano de controle de emergência! E a gente já denunciou isso para o Ministério público, entendeu? 

Entrevistador(a): tem que ser denunciado.

Israel: Então, que a gente queria? (…) Queria que todas as empresas aqui instaladas se reunissem perante às autoridades públicas (…) e fizessem elas um plano só. Um só pra comunidade. Ó, “o plano de controle de emergência de evacuação da comunidade vai ser esse!”. Então a empresa X vai adotar, empresa Y vai adotar, empresa H vai adotar… todas vão adotar esse plano feito pra comunidade de Barra do Riacho, em específico! É isso que se queria, mas não tem! 

Entrevistado(a): aqui tem um lixão aqui atrás, que é o chamado antigo “bota-fora”, da época da Aracruz Celulose. A Aracruz [Celulose] pegava todo rejeito, tudo quanto era lixo e jogava (…) aqui, Na Barra do Riacho. (…) Agora ele tá desativado. Mas foi jogado um lixo ali durante um período de quinze, de quinze a vinte anos, ali. (…) Ali foi jogado soda cáustica, ali foi jogado licor, foi jogado madeira, foi jogado papel, foi jogado tudo quanto é troço!

Entrevistador(a): tudo infiltrando no lençol freático…

Entrevistado(a): Isso aí! Já atingiu o lençol freático! Eu tenho certeza disso! E aí, o que que aconteceu? A Aracruz [Celulose] desativou aquilo ali. Hoje, Aracruz é Fíbria. E, a Fíbria pegou e vendeu [o terreno no qual depositava resíduos do processo produtivo] para o grupo Ambitec. E aí, o que acontece? O negócio tá lá desativado, ninguém fez nada. Agora de madrugada, toda vez (…) alguma coisa ocorre de noite que exala um cheiro, começa a soltar um gás. Tá começando a soltar um gás. Isso aí, esse tempo atrás. Isso aí foi… em dezembro [de 2016].

Entrevistador(a): Vocês já estão percebendo isso há quanto tempo?

Entrevistado(a): Tem uns três, quatro meses que estamos percebendo isso. O quê que aconteceu? (…) Gente passando mal, com dor de cabeça, gente vomitando, a mulher sangrou pelo nariz! (…) Tem foto que saiu foto nas redes sociais e tudo. Aí (…) vieram [os bombeiros], fizeram mediação foram na Ultragás pra ver se o gás era dali, mas até aí nós não sabíamos a origem. E estamos nós, rodando a comunidade e não acha onde que é esse maldito gás, que tá vindo. E toda noite a comunidade sentindo esse problema! As crianças vomitando, criança vomitando (…). Então, a Fíbria chamou o IEMA, veio dois técnicos do IEMA, e fizemos [instituto mencionado, em conjunto com pessoas da comunidade] uma ronda à noite, [por]que geralmente é dez horas da noite que começa. Aí, nesse dia que viemos (…) você não ouvia nem barulho de grilo, de grilo! Não tinha uma empresa funcionando! Até o flaring, da Transpetro –  aquela torre enorme que fica queimando o gás, soltando, soltando fogo na ponta dela –, tava desligado. Aí, eu falei: “poxa, muito incrível, as empresas hoje a gente não tá ouvindo nem barulho de grilo hoje, tudo desligado. Engraçado! Justo no dia que os técnicos do IEMA vêm fazer a análise! Mas Deus é tão bom que no final da nossa ronda, que nós já tava desistindo, aí tava eu mais algumas lideranças aqui, tinha até vereador junto, falou assim, “poxa, nós vamos passar vergonha amanhã! Fizemos essa ronda toda e não descobrimos nada! Amanhã tá em todos os jornais que não tem nada! Quando nós pegamos o carro, que saímos lá da Fíbria, que foi o último ponto que a gente foi (…), passamos na frente ali do antigo “bota-fora”. Na hora ali (…) veio aquele gás na cara da gente! Nós paramos o carro. Todo mundo: “opa, para aí! É esse cheiro aqui!”(…). “E esse cheiro (…) tá vindo de onde?” Aí olhamos… “tá vindo dali, do antigo bota fora!” Aí fomos lá e percebemos que realmente tá vindo de lá! 

Entrevistador(a): mas é visível ou só vem mesmo o cheiro?

Israel: só o cheiro. Só que se você chega perto lá, você não aguenta nem ficar lá direito. É um cheiro de enxofre (…). É um negócio horrível! Dá ânsia de vômito. 

(…)

Entrevistado(a): Não, não é fácil não. A situação de Barra do Riacho, eu até resumiria tudo que eu falei [em]: Barra do Riacho hoje se transformou em uma bomba relógio! A qualquer momento isso vai explodir isso aqui! (…) E qualquer hora dessa vai explodir isso aí.

Entrevistador(a): essa é sua perspectiva sobre o futuro da Barra?

Entrevistado(a): minha perspectiva, como nascido(a) e criado(a) aqui, como morador(a), com minha família toda aqui, meus filhos, é de que um dia isso aqui se transforme realmente no lugar que era lá atrás, volte a ser aquilo que era lá atrás. Era poder você ir no rio, levar uma linha de pesca, de bambu, retirado do próprio bambuzal da mata aqui e botar uma simples linhazinha, um simples anzolzinho, e pegar carapeba de meio quilo – igual eu peguei, com sete anos de idade… cansei de pegar carapeba de meio quilo – pegar vermelho… você andar no rio de canoa, e de tanta piaba que tinha, chegava pular dentro da canoa, você não precisava nem pescar! De tanta que tinha! A época da manjuba, da piaba. Era você sacudir uma raiz de mangue e cair camarão dentro da peneira! Você comer camarão. Pescar a hora que quisesse! Era você pegar três ou quatro quilos de siri em meia hora, que a gente pegava, entendeu? Hoje você não consegue nem comer um siri, tá tudo contaminado! 

(…) Mas, assim, eu não vejo muita perspectiva de melhoras aqui na nossa comunidade, não. (…) Nós estamos nessa situação, por isso que eu falo pra você, a perspectiva do futuro daqui é isso aqui acabar com tudo. Virar um polo industrial. Ou então todo mundo morrer doente, que é o que pode acontecer também.

Entrevistador(a): Qual é seu sentimento real sobre essas indústrias aqui?

Entrevistado(a): Por mim, juntava todas elas e pedia a saída delas daqui. Todas! Não ficasse nenhuma indústria aqui! E nossa comunidade começava a fazer horta, começava a limpar, fazer um tratamento de limpeza do rio, pedia ajuda pra fazer a drenagem, começava um tratamento de esgoto para jogar água limpa no rio, dragar o rio, tirar aquela lama podre do fundo, soltar casalzinho de peixe no rio, tentar recuperar o mangue, espécie de caranguejo… Tentar recuperar nossa praia, limpar, higienizar a areia da praia (…). Tentar recuperar! Quebrava aquelas comportas da Fíbria tudo, que embarreirou nosso rio Riacho. [Por]que Fíbria fecha as comportas. Qual é o curso natural de um rio feito à natureza?! É o rio vir e desaguar no mar, não é? 

Entrevistador(a): Uhum!

Entrevistado(a): Pois é! Quando fecha as comportas lá, o rio perde força, não consegue desaguar no mar direito. Aí o mar, por si só, joga a areia e fecha a boca da barra. Por isso, o pescador não consegue sair pra pescar. E aí o quê que acontece?! A Fíbria fechou lá em cima [as comportas], o rio fica parado! Aí o esgoto vem, vira um pinicão. Nós não aguenta nem respirar direito!

(…)

Entrevistado(a): Precisaria de um projeto de despoluição das praias, dos rios, [mas] não tem. Que seria também, incluído uma estação de tratamento de esgoto. Uma melhor qualidade da água, uma análise da água, [contudo] não tem. Então, assim, (…) resgatar aquela cultura do pescador. Tá se perdendo isso. Só quem faz isso é os antigos pescadores, as crianças mais novas, os filhos [dos pescadores] não sabem fazer. Ou, alguns que sabem, não têm interesse mais de fazer, entendeu? (…) A cultura nossa aqui, que é a moqueca, entendeu? A gente trazer um curso aqui de culinária nossa aqui, da nossa cultura local. Então a gente tá precisando de… fazer muita coisa, resgatar muita coisa, mas não é fácil. É difícil. Mas a gente vai tentando. A gente vai lutar pra que isso aconteça, pra que as autoridades se alertem que aqui em Barra do Riacho é o local que realmente cria um desenvolvimento para o nosso município, e até para o estado do Espírito Santo (…). E a gente não é reconhecido. A gente espera que seja reconhecido um dia. Que as autoridades reconheçam e que façam o investimento que aqui precisa ser feito. Que cuide das nossas tribos indígenas, que cuide dos nossos pescadores, da nossa comunidade tradicional, que cuide disso.