Família, memórias e tradição na pesca

Fragmento de entrevista realizada com uma marisqueira antiga da Ilha das Caieiras (Vitória-ES) em maio de 2012

Eu tenho setenta e quatro anos. Nascida e criada aqui [Ilha das Caieiras] naquela casa ali, criei meus oito filhos ali naquela casa. […] Quando eu era criança era muito difícil de eu estudar, mas eu consegui até a quinta série, depois ficou difícil né? […] Pescava com meu marido antes de nascer os filhos, um ajudava o outro, […] eu desfiava o siri, limpava o sururu, ajudava muito meu marido, eu vivia mesmo da pesca né? […] Nó estudamos junto, aí se gostemo, um gostava do outro foi o primeiro namorado que eu tive. […] Casei com vinte e um e ele com dezoito, (…) pescador desde os dez anos, […] ele tirava marisco e pescava camarão, pescava de rede de tarrafa, barco ele não tinha não, pegava emprestado. […] Criei meus filhos ali, terminei de criar os oito ali no barracão embaixo e era muito difícil naquela época, difícil demais. […] Eu tinha ajuda dos meus pais né. Meu pai é um português, eles chegaram aqui em Vitória com dezoito ano, eles construíram a fábrica de cal, depois que casou nasceu os filhos, eu sou a última filha, a mais nova, eles criaram oito filho. […] Eu tenho trinta e seis neto, são trinta neto e sete bisneto, tem um monte de pequenininho. […] E esse aqui que é o mais velho começou a pesca com o pai dele, ele tinha dez anos, todos eles com dez anos pescavam, eu tenho oito, só quem não pesca é o (nome suprimido) né? Esse aqui vivia em casa, não me largava aqui de jeito nenhum, mas os outros são todos pescador, minhas fia são tudo desfiadeira de siri.

Naquela época não existia barco, era só canoinha mesmo né, cada um tinha sua canoinha pra pescar, aí se pegasse duas caixas cê já dividia, uma caixa pra ele e uma pro irmão como é até hoje né, os netos também é assim entendeu? […] Quando meu marido pescava ele me levava quando o tempo tava bom né, aí eu ficava pescando e ele jogando tarrafa no rio. […] Naquela época quando eu casei não desfiava o siri, o siri era vendido inteiro no mercado, né fio? Era vendido no mercado da vila Rubim, não tinha negócio de desfiar siri, depois que seu Benedito e dona Maroca começaram a desfiar siri é que a pessoa foi vendo e aprendeu. […] Ah isso aqui era rodado de lama, era difícil pra gente passar, […] casa só tinha mais barracãozinho de tábua, a gente morava no barracãozinho de tábua. […] O mangue foi bom né, bom sururu, tem caranguejo, a ilha é abençoada mesmo aqui, graças a Deus.

[…] Fui mordida dentro do mangue, foi siri dorminhoco, ele é um buzo, então ele tem uma lesma lá dentro. Botei os pezinhos assim, quando eu olhei tava subindo nas minha perna eu sacudindo na canoa lá, aonde a canoa tava no seco, aí eu desmaiei na lama, cheguei aqui os meninos me deram banho, me botaram num barco a motor, só tinha um barco, aí chegou no cais eles levaram eu pra Santa Casa [hospital], fiquei três mês, arroxeou minhas pernas toda, eu não se mexia. Depois me levaram lá pra Vila Velha, aí me deram uma injeção assim e esticaram a perna, quando esticou a perna ficou um ano e meio esticado, […] foi muito difícil pra mim ficar numa cadeira de rodas. […] Eu nessa época eu tava com uns vinte e sete anos, a minha filha tava com dez anos. [..] Nunca mais voltei a mariscar, as vezes hoje em dia quando eles me dão um baldinho que tem uns siris, eles deixam os miúdos eu desfio, faço um kilinho boto aí, mais é difícil né?