Consequências da Proibição da Pesca

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2017

Entrevistador(a): Conta, então, pra gente (…), como é que está a situação da pesca em Barra do Riacho?

Entrevistado(a): Bom, (…) os nossos pescadores estão passando por uma situação muito crítica em termos de ajuda dos órgãos ambientais, dos órgãos de fiscalização… a gente tem já problema com a área fechada [áreas nas quais pesca é proibida por lei], né? Os vinte metros de profundidade que é proibido pescar, é uma área no qual existe o berçário de camarão que é o rendimento maior do pescador aqui da região (…), então, a gente tem esse problema. Alguns pescadores não tão tendo ajudas da empresa no qual foi determinada o fechamento da área devido a essa a empresa Samarco, né? Então muitos não estão tendo um retorno, uma ajuda… e tão com os barcos aí parados. E… existe também o nosso problema com o órgão ambiental, o IBAMA, que  fiscaliza constantemente, tá sempre em cima dos nossos pescadores (…). Eles não têm um respeito com os pescadores, eles agem com o pescador como se ele tivesse o trabalho dele ali na pesca, na captura do pescado seria uma profissão pior do que do criminoso, né?! Porque eles não respeitam o que o pescador faz, eles não respeitam a luta que o pescador tem, de sair daqui pra ir até o alto mar, assim… o risco que eles correm, né? (…) sempre tá em cima causando problemas… em vez de tá dando uma ajuda, um suporte.

Entrevistador(a): Como é que eles – no caso você está falando do IBAMA – normalmente abordam os pescadores? Como é que os pescadores contam isso aqui pra vocês?

Entrevistado(a): Olha, é o que eu tô te falando, eles trata o pescador como criminoso. Eles nunca chegam de boa pro pescador pra perguntar, pra saber… e pedir, não. Eles já chegam com autoridade exigindo e acusando, entendeu? Eles não ouvem nem a história do pescador primeiro pra saber se o pescador tem uma isca, porquê ele tem aquela isca; eles querem saber que o pescador tá com a isca que ele não podia estar. Então, eu tenho caso de pescadores da nossa região que até algemado já foram, entendeu? Foram chamados a polícia ambiental pra algemar pescador, porque tava com material, é… sabe? documentação também a gente tem um problema muito sério com documentos. Hoje a gente tem a coordenação da pesca, que por falta de verba e de governo eles impedem muito de ter documentação atualizada, carteira, licença… e o IBAMA não quer saber disso, ele quer fazer o trabalho e empurrar o pescador mesmo de ladeira abaixo e ele não olha a quem e que condições que o pescador tá tendo, entendeu? O que ele quer é maltratar o pescador mesmo.

Entrevistador(a): Então você tá falando que tem toda uma burocracia pra poder tirar a documentação, que nem sempre agiliza o processo, impede o pescador de ter o documento e isso também acaba refletindo lá na forma como ele é abordado?!

Entrevistado(a): Sim, porque a pesca hoje ela geral tá numa crise muito grande em termos de documentação… Exemplo é as nossas licenças de camarão, que são renovadas todo início de ano e, anteriormente, com outros governos, a gente tinha as licenças liberadas de 15 dias a 30 dias. Hoje, as licenças venceram em fevereiro [de 2017] e até o momento não têm nem previsão de ter renovação das licenças. (…) Os nossos pescadores estão trabalhando com licenças, com documentos vencidos, porque não têm documentos atualizados. Eles têm a solicitação, mas não tá com a documentação atualizada, porque o governo [Michel Temer] não está liberando.

Entrevistador(a): E isso atinge que pescador? Pequeno pescador, médio pescador, pescador grande, ou todos eles?

Entrevistado(a): Atinge todo mundo. Porque a… do dono da embarcação até o pescador que tá lá ralando, porque assim, se o dono da embarcação não tá com a documentação atualizada ele corre o risco de levar uma multa muito grande, né? E o pescador pequeno, que tá ali pra tirar o seu pescado, se ele não tiver [a documentação], o barco não tiver legalizado ele não tem barco pra ele ir até [o] alto-mar, ele também não vai poder comercializar o peixe. Então, assim, se ele tá trabalhando sem carteira de pesca e a embarcação sem documento, ele não tem como trabalhar assim. Aí vem a fiscalização que não entende – ou que não quer entender – que o que ele [o pescador] tá passando não é porque ele quer, é porque os órgãos não estão liberando esse documento, entendeu? Então assim, a parte do pescador ele fez, só que o governo ele não tá dando feedback pro pescador. AL: Hum, entendi. E… diz uma coisa, além dessa questão da documentação e da presença assim, muito forte e sistemática do IBAMA, da polícia ambiental, quais são os outros problemas que envolvem a pesca? NA: Agora o nosso problema, além dessas partes de fiscalizações, é a parte do fechamento, que como eu falei é uma área de berçário de camarão sete barbas, né? (…) O fechamento [a proibição da pesca após o desastre da Samarco] da nossa área aqui é de 20 metros [de profundidade]; e é uma área que dá pescadinha também, né? Nessa época a pescadinha vem pra cá pra frente também e aí isso impede de eles estarem buscando. Porque assim, camarão ele rende, né? o valor dele é bom, a pescadinha também tem um valor bom, e aí vem outros peixes também que às vezes vem pra frente [da faixa marítima inferior aos 20 metros de profundidade], que eles não podem pegar por causa disso. Aí, lá no alto-mar o problema não é que não tem peixe, só que a quantidade é bem menor, entendeu?! Tipo, camarão eles pegam a menor porção, peixe também tem algumas variações que não consegue pegar em grande quantidade. Então, assim, a renda familiar do pescador caiu muito. Hoje quem tem a ajuda – o auxílio do cartão da Samarco –, ele [o pescador] tá vivendo por mil e quinhentos [reais], entendeu?! Alguns elevam um pouquinho por causa dos dependentes, mas se eles tivessem na pesca eles estavam ganhando muito mais que isso.

(…)

Entrevistador(a): E não é qualquer barco também que vai até a faixa de 20 metros de profundidade, né? Então também não é qualquer pescador que consegue manter a atividade da pesca.

​Entrevistado(a): Não. Muitos barcos (…) acabaram se destruindo, porque você faz a manutenção da sua embarcação quando ela está trabalhando, porque você tem da onde tirar o dinheiro pra poder fazer a manutenção. A partir do momento em que você tem um “X” mensal pra poder gastar, então, assim, se você vive de aluguel, luz, criança e tal, você não tem como tirar nada dali pra você jogar na sua ferramenta de trabalho. Cê não tem como fazer a manutenção do barco se você não tem como pagar essa manutenção, então muitos barcos ficaram parados. Aí na ocasião veio uma época de busano [um tipo de molusco que perfura o casco dos barcos] que destruíram muito barco. A associação conseguiu alguns materiais para poder reformar, mas não tinha como reformar todos os barcos, entendeu?! Então teve embarcações que não conseguiu passar por essa reforma, que aí entra na lista de espera pela associação que ainda vai buscar mais materiais. Mas, assim, muita gente perdeu barco. E a reforma, o gasto com embarcação, é muito caro, entendeu?! Tudo é muito caro pra barco. Então… é material, madeira, é prego, é cola… tudo caro. Então, muitos barcos ficaram parados… existiu também (…) alguns roubos de motores… E o motor parado também estraga. então assim, eles tiveram vários danos materiais por causa desse fechamento, e a empresa ela em si… por si… eu não sei se ela imagina que dando esse auxilio, esse cartão ela tá fazendo muita coisa pro pescador. Mas ela não tá, porque tem muito pescador também que tá parado.

Entrevistador(a): Sem o cartão?

Entrevistado(a): Sem o cartão. Entrevistador(a): Pois é. O pescador ele reclama muito. A gente tá tendo (…) muitas reuniões, porque a empresa em si, ela tem um programa de diálogo com a comunidade. Então a gente tava fazendo reuniões constantes pela esperança de ter uma luz no fim do túnel, entendeu?! Só que ela tá fazendo o papel dela, esse programa do diálogo ele tem que fazer, porque ele ganha pra isso, né? Mas não tava tendo o retorno que o pescador tava esperando. Aí o que tá acontecendo com o pescador?! (…) Ele não tem ajuda de ninguém, porque não tem nenhum santo que vai lá oferecer pra ele um prato de comida, né?! Porque acha que ele não tá trabalhando porque ele não quer, mas não é assim. Porque ninguém tá na pele do pescador pra saber o que ele tá sentindo, né?! (…) A carência do pescador tá muito grande, ela tá o triplo do que era antigamente. Porque, assim, o nosso problema antes era a falta de peixe, porque tinha época que não tinha, água fria, a maré alta, a maré baixa. Então, era mais coisas de tempo, de peixe não tava aqui, tava pra lá, entendeu? Esse era o nosso problema. Hoje não, o nosso problema é fechamento de pesca… que não pode trabalhar; e com a fiscalização… dá um problema terrível pro pescador, e se ele tomar uma multa, como que ele vai pagar essa multa? Então, o pescador ele tá muito carente… financeiramente, né? Ele tá muito carente e com decorrência disso vai tendo problema, familiar, entendeu?! comunidade… tudo, tudo gera uma crise.