Memórias afetivas e urbanização do bairro Praia do Canto

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2023.

Eu tinha já oito anos de idade quando meu pai ia no barquinho, eu desde pequeno me levava pra pescar. E nunca me esqueço. Eu garotinho, aí embaixo tinha uma vela, num pano, era no remo e no pano, né? Aí quando dava aquela chuva antigamente chovia muito, aí meu pai me pegava, me enrolava naquela vela do barco e me deixava só de cabecinha de fora até que a chuva passasse e eu voltasse a pescar com ele. […] Então, minha mãe às vezes tava esperando o papai vim da pescaria pra trazer um peixinho, um peixe pra nós comer, naquela época peixe não se vendia, peixe se dava, peixe não tinha  tinha valor comercial, não é como hoje. Mas ele também trabalhou e trabalhava. Poucas vezes era vigia lá no porto vigiando as embarcações lá de noite. Durante o dia que ele pegava o barquinho pra ir pescar, pra vê se arranjava mais alguma coisa. Ia pescar com ele até os dezessete, dezoito anos, aí depois eu entrei para o exército e me mudei pro Rio de Janeiro atrás de outras oportunidades, né? Morei quinze anos, depois retornei pro meu lugar, lugar que eu nasci, moro até hoje, […] Vitória tem meu DNA, eu amo essa cidade. 

[…] Esse bairro aqui vamos dizer da minha época, não tinha aquela ponte [refere-se a ponte de Camburi] podia andar dali do outro lado até na ponte da Passagem, era era transitável né? Não tinha esse monte de coisa que tem aí, era tudo deserto. Camburi não tinha, no meu tempo,  nenhuma casa, Jardim da Penha não existia. Os únicos acessos para Vitória era a ponte da Passagem, né? […] Aqui, mesmo na Praia do Canto, na Praia de Suá, viu lá o hospital São Pedro? O mar era ali, a água batia ali e os barcos encostavam tudo ali. Entendeu? Não tinha Shopping Vitória, não tinha nada ali, a Enseada do Suá tudo aquilo era tudo mar. […] O aterramento foi através de dragas tirando areia do mar tudo do fundo e jogando pra praia. Aí quer dizer, a areia fica, a água vai, aí vai aterrando. Como fizeram esse engordamento da Praia de Camburi há pouco tempo. Não tinha Terceira Ponte ali, pra ir pra Vila Velha teria que ir no centro da cidade e pegar uma lanchinha ali onde é o cais, atravessar pra Paul, depois de Paul pegar o outro bonde pra chegar em Vila Velha. Perto do mercado ali  tudo foi aterrado, na Vila Rubim até o mercado, perto da rodoviária, aquela região todinha ali, aquilo ali tudo era água. Eu me lembro quando eu era garoto a gente ia pra Vila Rubim lá eu e meu pai, aqueles barquinhos de madeira que levava mercadoria né encostava lá, aquele monte de barquinhos de madeira e palafitazinha, aí descarregava e tal. Ilha do Príncipe era uma ilha, Ilha Santa Maria era uma ilha, era ilha, né? Porque Vitória era cheio de ilhas, Ilhotas. […] Mas foi chegando grandes empresários, grandes empreendimentos e aterraram. Ilha do Frade era uma ilha, Ilha do Boi era uma ilha não tinha nada, tudo deserto, né? […] Eu vi quando fizeram a avenida Beira Mar, Avenida Gerônimo Monteiro, no centro da cidade, aquele era o polo de Vitória, aquilo ali ó a gente chegava era cheio de gente, entendeu? […] E hoje nós estamos aí com esse desenvolvimento aí, […] e o que fica é a saudade.