Trajetória de vida de um pescador artesanal

Entrevistado: Tenho setenta e dois anos. Pescador 

Entrevistador(a): O senhor mora nesta comunidade desde quando? Conta um pouco da história dessa comunidade, como é que ela era, quando você era mais jovem?  

Entrevistado: Desde que eu nasci. Aqui tudo era mar. Era bonito. E tudo era maior, perto daquele morro lá [Morro do Garrafa] nós já pegamos até cação aqui quando era a cinquenta anos atrás né? […] Antigamente não tinha ninguém aqui não, só tinha mesmo nós mesmo. Tinha mais meu pai, meu primo, meu tio. Meu pai veio de Portugal, veio com navios de caldeiras, não tinha nem nada aqui, nem casa tinha, era mangue puro. Tinha um primo também que pescava à beça aí, morreu tem uns oito anos. Era o mais velho daqui. […] No ano que veio um monte de pescador, foi modificado, e agora está muito modificado. 

Entrevistador(a): Conta um pouquinho como foi esse processo de aterramento, como é que o senhor via esse processo de aterramento? 

Entrevistado: Puxava areia daqui de atrás, ó. E ia aterrando, depois parava e começava de novo e ia embora. Tirava areia do mar e fazia isso [movimenta as mãos mostrando o processo de aterramento]. O mar chegava lá em frente. Lá não tem o hospital São Pedro, ali? O barco encostava bem em frente, na areia ali. E aí a comunidade foi crescendo e foi arrumando um monte de pescador. […] Lembro que isso aqui dava camarão pra chuchu. Lagosta, camarão. A gente matava mais de cinquenta quilos de lagosta. Não tem mais nenhuma. Acabou. Poluição acho que acabou tudo. Poluição. Se botar a rede não pega nenhum. 

Entrevistador(a): Me conta então um pouco da sua história da pesca, como é que o senhor começou a pescar? 

Entrevistado: Ah eu comecei a pescar é com meu pai, aprendi com ele, olhando. Comecei a pescar com dez anos eu acho, estudava e pescava, ia pra dentro do mar e ia pra escola. […] Era mais pesca de camarão, que ele pescava.  

 

Entrevistador(a): Hoje, aqui dá algum peixe? Qual peixe? 

Entrevistado: Carapeba, Robalo, Badejo, Papa-Terra. Mas tem dia que a maré tá ruim e não dá mais, mas tem dia que dá. Hoje mesmo a mulher pegou um robalo grandão, quatro carapebazinhas, ó 

Entrevistador(a): E como é que é essa relação de pescador com o tempo? O clima? Como é que o senhor sabe que pode sair pra pescar, que vai ser bom, que não pode?’ Qual é o vento que é o pior vento, que ninguém vai para o mar? 

Entrevistado: É o Sudoeste. Pelo sol que vinha. O relógio a gente via né, ah vou embora, aí sentava o pau. Sempre pesquei sozinho. Tem época e o mar está quebrando tudo, aí ninguém vai. Quando ele está lisinho assim é que dá muito camarão, quando está aquelas onda grandona aí ele abre, quase ninguém vai pro mar. […] na noite, o céu estrelado, e nós fica aí, ó. Lá não tem ninguém perturbando não, lá bom pra caramba, eu não vejo ninguém perturbando ninguém, fica tranquilo. Estar no mar é silêncio, só a zuada do motor. E fica os colegas do lado. A gente fica aqui até onze horas conversando fiado aqui, depois vai embora […] O meu barco é miudinho, de sete metros. Mas agora eles estão saindo que tem uns barcos maiores, uns doze, quatorze metros aí oh. É um barco bom, ele fica quinze dias no mar, é pesca de linha. Tem outros barcos aí que vai até lá na Ilha da Trindade. Seis dias pra lá, seis dias, seis noites andando e viajando, e pra voltar é mais seis dias e noite. […] Começou essa de barco grandão aí ó, todo mundo virando pescador, aqui tem muito, tudo na pesca, garotão ó. São filhos de pescador. Vai só aumentando. 

Entrevistador(a): O senhor tem alguma história engraçada ou alguma história triste (sobre a pesca) para contar? 

Entrevistado: História? Que morreu um monte de amigo meu no mar. Colega mesmo. Barco de Alvin mesmo, foi, morreu e até hoje não voltou o barco. Morreu dois amigos nosso. Agora tem um ano e poucos morreram mais quatro. Ninguém sabe, o barco virou, só foi encontrar o barco lá em [conteúdo inaudível] mas nunca mais apareceram não. Nenhum deles. Foi um naufrágio. Um tal de ciclone, que falam que vem. Acharam o barco só lá em Marataízes mesmo, mas não apareceu ninguém até hoje. Não acha mesmo não, é difícil. 

Entrevistador(a): E nunca passou nenhum sufoco não? 

Entrevistado: Não não, pescador comigo que passou. Caiu dentro d’água a noite e ficamos mais de duas horas procurando ele e achamos vivo. Foi trovoada que dá no mar, dá o vento e depois já volta o vento de novo. A maré corre muito, a maré corre, o cara vai embora boiando. Graças a Deus o vento virou de novo, ele conseguiu chegar no barco. 

Entrevistador(a): E o que que é ser pescador pro senhor? 

Entrevistado: Pescador? É. Pra mim é bom, foi bom né? Lá no mar é tudo de bom.