Memórias afetivas na pesca

Entrevistado: Nasci em 30 de agosto de 1951, profissão pescador. Eu comecei a pescar desde criança (…). Eu aprendi a pescar com um colega meu, finado Brigadeiro, ele que me ensinou e quando ele morreu eu fiquei angustiado, afinal quando você aprende uma coisa com uma pessoa e essa pessoa vai embora é ruim. 

Entrevistador: Desde quando o senhor mora aqui em Praia do Suá? conta um pouquinho da história da comunidade para gente. 

Entrevistado: Olha, eu tenho 65 anos ali, se eu não me engano, posso ter mais um pouquinho, eu praticamente nasci ali, não vou dizer que eu conheço todo mundo, mas todo mundo me trata bem e eu trato bem eles. Antigamente isso aqui era tudo água, a água batia no hospital São Pedro. E a gente, como diz a história, na época era criança, ali a gente pescava, jogava bola na rua, não podia jogar bola na rua aí a gente jogava bola na rua aí a polícia corria atrás de nós, ali tinha uma ponte de madeira, chutava bola dentro d’água, pulava dentro d’água, aqui tinha um pouco de areia a gente nadava pra cá. […] 

E foi levando a vida assim, aqui até lá no Cauê [refere-se à Praça do Cauê], ali quando a maré secava, ficava aqueles montes, ficava lagosta presa, peixes presos, a gente pegava e aí a gente ia vender para os outros. Eu vivi só com minha mãe, minha mãe foi meu pai e minha mãe, poxa! Para mim foi, eu me sinto com o sonho realizado, eu nem tenho muito o que falar, porque a gente só fica pensando no passado e meu passado é esse, eu queria que voltasse de novo, mas não tem como, fazer o que? 

 Entrevistador: O senhor acompanhou o processo de aterramento aqui do bairro? 

 Entrevistado: Eu acompanhei tudo, quando eles começaram a aterrar aquilo ali, foi doído, porque nós perdemos o nosso lugar de pescar, de criança, a draga cavava o canal aqui e jogava a areia ali, fazendo aqueles montes, fazendo aquele monte de monte de areia, aí depois eles foram com o trator e espalhou tudo […] 

 Entrevistador: Depois que aterrou, o senhor percebeu que mudou muito a pesca, a vida aqui? 

 Entrevistado: Mudou, naquela época, há muitos anos atrás, a gente ia pescar ali, na pescaria a gente ia de “baitera”, agora, depois que aterrou, o peixe já saiu pra fora, então a época de guri acabou. Não tinha mais, onde a gente pesca o barco não levava gente porque a gente era novo. Depois passado uns tempos, aí eu comecei a entrar na pesca de camarão, com esse camarada que eu falei, Brigadeiro, aí foi onde que eu continuei crescendo com ele, aí depois ele foi embora. […] 

 Entrevistador: O senhor disse que mora no Morro do Garrafa, conta como é o morro, como ele cresceu… que ele cresceu junto da Praia do Suá? 

 Entrevistado: Quando eu cheguei ali, era uma casinha aqui, uma casinha ali, sabe como é né?, e depois foi chegando gente e a gente foi conhecendo, quando a gente se deu de conta o morro já estava todo tomado, era uma coisa muito bacana, as nossas vizinhas deixavam até a porta aberta, encostada, a gente descia e jogava bola, aí passava no chafariz e tomava banho, não era tomar banho, era tirar aquela areia, depois a gente abria a porta da casa, comia um bolo, tomava um café ia embora pra casa […] às vezes a pessoa dormia até com a porta e a janela aberta. Todo mundo conhecia todo mundo, […] hoje não dá para confiar em ninguém, hoje você está conversando com uma pessoa aqui, amanhã aquela pessoa que estava batendo papo com você está te traindo, é difícil encontrar uma pessoa legal, o mundo virou de cabeça para baixo.