O Rio Doce e a chegada da lama da Samarco na sua foz, em Regência Augusta

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2015

Entrevistador(a): Qual a expectativa com relação a essa lama que tá descendo o rio Doce, sua e também dos moradores aqui, dessas famílias? O que vocês já ouviram falar e o que vocês estão efetivamente sentindo, de fato?

Entrevistado(a): (…) Um monte de vozes já mandaram até a gente parar de pescar e por ser educado, a gente paramo de pescar. Mas a gente tem uma vida, né? Os dias tão passando e ninguém vem pra conversar com a gente. Vai ficar parado por quanto tempo? (…) O Rio Doce, um tempo antes disso aí, antes da morte [do rio], no caso, ele já tava doente. Num tinha água pra ele pra ele correr, tava bem bastante seco, tava doente o Rio  Doce, agora isso aí é a morte do Rio Doce. E aí, vai matar quem tá aqui pra baixo também, na boca do Rio, a morte tá chegando. E por enquanto não apareceu ninguém pra nos socorrer. Então, a preocupação é muito grande aqui,. com a gente, tamos olhando pro navio passar, porque ninguém chega pra conversar. E tem alguém culpado, né?! Tomara que esse alguém chegue pra conversar logo, porque a situação é crítica. É muito delicada.

Entrevistador(a): Vocês que sempre viveram do rio, da pesca e turismo, a água… Você acha que a vila poderia acabar ou então ter uma diminuição da população em função disso, caso o rio realmente se contamine?

Entrevistado(a): É… esse dano ele danificou a comunidade. Não só os pescadores. Danificou a comunidade toda, porque a gente tem a pesca que a gente sobrevive dela, aí a gente gasta no comércio daqui: supermercado, mercearia… Então, esse pessoal também vão ser afetado pelo problema que deu de Regência. Os turistas vêm aqui pra andar de kitesurf, como tem pessoas que pega onda também, surfista, pessoas que vem passear no rio… esse pessoal  não vão vim mais pra aqui pra Regência, por causa desse problema que tem na água, que a gente não sabe qual é. Mas já tá surtindo efeito aqui. Então, a gente quer saber de alguma informação, porque o que sabe é que vai ficar por muito tempo esse problema (…). Então, a gente tamos desesperado aqui pedindo socorro.

(…)

Entrevistador(a): E qual é a participação do IEMA [Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos] ou o IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], enfim, desses órgãos mais ligados ao meio ambiente, aqui? 

Entrevistado(a): Tudo que vai se fazer em relação a meio ambiente aí, [por exemplo], uma dragagem ou qualquer coisa, é o IEMA que liberam a quantidade, o tamanho, a proporção da situação, é o IEMA que libera. Então (…), se cê vai cortar uma árvore, tem que ir no IBAMA, tem que ir no IEMA; se cê vai cavar um buraco é o IEMA que tem que liberar. (…) Eles são atuante também aqui na em Regência. 

Entrevistador(a): E quando o IBAMA vem, ele vem fazer o que aqui na vila?

Entrevistado(a): Ah, quando vem, às vezes… é autuar os pescadores. Eu já fui vítima também disso, que eu acho um absurdo a forma que as leis são feitas. (…) As leis, acho que elas tinha que ser feita dos dois lado, de baixo pra cima, pra se encontrar. [Porém] as leis são feita só de cima pra baixo. Então, quem tá lá embaixo é que sofre. Eu por ser pescador questiono muito o IBAMA a forma que eles age, porque eu concordo em preservar, absolutamente, sou a favor de preservar. Mas, mudar a cultura da gente, mudar o sangue, num sou a favor não. Porque o que eu sei, o que eu sigo, eu aprendi com papai. Eu tenho uma cultura. (…) Eu tenho condições de ensinar meu filho coisas melhores, então eu tenho uma cultura, não quero que ninguém me muda. Então, o IBAMA nessa parte da forma que eles abordam a gente, eu acho errada. Eu sempre questionei isso e num acho certo, até porque o material que eu tenho lá, eu compro e pago. Eu pago imposto pelo material que eu tenho. Aceito sim uma conversa… botar menas rede, mudar a malha, concordo. Mas, não chegar e me proibir de pescar (…), proibir você de fazer uma coisa que você aprendeu desde criança. (…) [E] a capitania já proibiu de navegar no rio, o IBAMA proibiu de pescar… Já proibiu tudo!

Entrevistador(a): E com relação  à questão do rio, sobre a falta d’a água, a questão do assoreamento dos rios…?

Entrevistado(a): Isso aí já tem muito tempo já tamo sofrendo  com esse problema. O Rio secou bastante, também, consequência do homem também que foi culpado, que desmatou as nascente lá pras Minas Gerais, lá na onde que o rio nasce, tirou muita mata. A gente sabe disso, que a mata que atrai a chuva. (…) na verdade em si, no geral, num tá chovendo ultimamente no decorrer dos anos também, né? A gente sabe disso. Então, já tava difícil a situação com o assoreamento do Rio, [pois] a boca da barra tinha fechado. A gente tinha parado de pescar. Tem uma boca lá na barra do norte – que é o mar brabo –, a gente tava forçando a barra pra pescar lá. E teve uns barcos que foram tombado… mês passado tombou barco, eu também tombei meu barco lá pra poder tentar pescar, mas graças a Deus que eu não morri… O barco a gente consegue, mas num é assim só de tombar barco (…). A situação já tava difícil pra gente, agora, com a morte que tá vindo aí, ficou pior ainda. Tem que tomar uma providência logo, de imediato!

Entrevistador(a): O(a) senhor(a) tem roça? Como é que tá a situação do seu plantio agora com essa história [da chegada da lama da Samarco até a foz do rio Doce]? 

Entrevistado(a): O meu plantio ele já tá, assim, sentindo bastante por causa do sol. Agora, se essa água vier aí com essa lama, deve acabar tudo, né? Eu acho que sim, porque eu não sei o que fazer…, mas eu tenho plantio, tenho cacau, tenho café, tenho milho, tem feijão, tudo plantado, porque a roça minha é alternativa da pesca que eu tenho. (…) se tiver duro eu colho feijão, milho e etc., que eu mando pros meus filhos em vitória, então é uma alternativa que eu tenho pra agarantir o sustento da família. Se essa lama vier aí vai perder tudo.

Entrevistador(a): Lá é irrigado? Como é que o(a) senhor(a) faz pra aguar as plantas lá?

Entrevistado(a): Não é irrigado não, é da natureza mesmo, da água.