Modos de vida e transformações socioambientais e econômicas em Regência

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2016

Entrevistador(a): O peixe sempre fez parte da alimentação de vocês?

Entrevistado(a): Sempre fez. Antigamente comia muito mais. Carne de boi, na minha época de rapazinho novo, era difícil. O mais que a gente [tinha] de carne era carne de porco, carne de bicho do mato, mas carne de boi mesmo igual a gente compra no açougue é de pouco tempo pra cá. Eu falo isso porque eu sei. (…) Antigamente Regência não tinha saída pra lugar nenhum. A saída daqui era pelo rio doce, daqui pra Linhares e Povoação. O que fazia aqui ficava aqui. Daqui trocava farinha com osseiro, com beju, com tapioca, a gente dava o peixe [e em troca] eles davam farinha, tapioca, carne de porco… dava isso, era tudo trocado. Não tinha nada vendido não, era tudo trocado.

Entrevistador(a): e tinha muita gente que morava aí pra dentro?

Entrevistado(a): Muita, onde tem lagoa era tudo moradia de gente, como faz de um lado e de outro, era aqui tumbo de fazer farinha, era roça de melancia, abóbora, aipim, mandioca pra fazer farinha, era tudo. (…) E aconteceu que foi crescendo o lugar um pouquinho – que não é grande –, as pessoas foram vendendo as roças pra esses cara mais poderoso um pouquinho, e aí foi saindo. Uns foi pra Linhares, outros pra Vitória, tem muita gente daqui que mora fora daqui. (…) Aí com poucos tempo agora o IBAMA veio pra aí. Aí cabou. Podia ter vindo antes pra não ter desmatado do jeito que desmatou. Tá tudo desmatado agora as nossas matas. 

(…)

Entrevistador(a): A sua família também teve roça aí?

Entrevistado(a): Teve também.

Entrevistador(a): E os caminhos pra lá era como?

Entrevistado(a): Era tudo por dentro do mato, tudo trilha, trazia tudo nas costas de lá pra cá e animal, tinha uns balaio. Eu lembro, rapaz, nós andava dentro dos balaio quando era moleque: minha avó, meu avô, botava um menino dum lado e outro do outro pra equilibrar o peso dos balaio. (…) [Na roça] tinha mandioca pra fazer a farinha, abóbora, melancia, aipim, tudo dava na roça.

Entrevistador(a): E aí seus pais, seus avós vendiam ou como é que foi isso?

Entrevistado(a): Era de ano em  ano tinha, a gente comia quase tudo junto, tudo junto e vendia pra fora, porque os transporte aqui era canoa. Por exemplo, não era só meus avós, batia cinquenta saco de farinha (…), quando completava cinquenta saco, tinha uns pessoal de Linhares que pegava as mercadoria aqui. Vinha uns canoão, canoa de 12 metros, 15 metros aí eles botavam cinquenta a sessenta sacos de farinha na canoa e levava pra Linhares. E quando não levava pra Linhares. (…) Pegava de ano em ano aquele montão de farinha. Aí eu não sei se ele pegava pra eles aí da fazenda ou se levava lá pro Rio de Janeiro. Parece que ele morava lá naqueles cantos, não tenho certeza. Mas a maior parte era pra Linhares e Colatina.