Impacto do crime-desastre da Samarco sobre a cultura das águas na comunidade de Povoação

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2016

Entrevistador(a): Já teve muito campeonato aqui né?

Entrevistado(a) 1: Já. [Há] dois anos atrás foi o estadual. Colega nosso trouxeram o estadual [de bodyboard] pra cá. Comentado no mundo todo. Os caras que pega onda, os profissionais, correu etapa no mundo todo. E a praia aqui também, é falada no mundo todo.

Entrevistador(a): Então, tem esse potencial também da onda de Povoação pro bodyboard?

Entrevistado(a) 1: Tem, tem. O sufista prefere Regência, porque a onda lá é mais fácil e mais perfeita. Aqui a onda é mais pesada e as condições aqui tem que ser muito mais hard. Não vou falar que surfista não pega onda aqui, pega! Só que é os caras mais avançado. Tem uns caras que pega só final de semana…

Entrevistador(a): E depois dessa lama toda você acha que o surf e bodyboard ficou meio abandonado?

Entrevistado(a) 1: Ficou, cara. (…) Eu fui afetado. Por quê? Porque eu não pude surfar. Eu mudei lá de Vitória pra surfar aqui, certo?! Fui impedido de surfar! Fui privado. (…) fiquei três meses sem surfar, na minha realidade. (…) Tem um grupo de bodyboard que eu participo (…) tem gente do Brasil todo. E um colega meu de Vitória perguntou, aqui: “tô querendo cair em Regência”. Aí perguntou: “Como é que tá a água?” (…) “tô querendo ir em Regência… e os metais, tem muitos metais aí? Queria fazer um surf!”. Tipo assim, eu não aconselho e não chamo, entendeu? Eu não posso falar que a água tá limpa, certo? (…) Igual a escolinha [de surf e bodyboard], a gente tinha a escolinha e tudo aqui. Só que como é que a gente vai colocar os moleques na água?! A gente vai se responsabilizar?! Não pode, cara. É doideira. A gente pode, na teoria, falar de competições, de regras…, mas na água a gente não pode colocar. E a Samarco nem dá ideia. Porque o projeto [da escola de surf e bodyboard] foi interrompido. não vai ter mais. Ou seja, os potenciais que a gente tinha aqui, os futuros atletas, campeões que poderiam sair daqui – e pode, devido as ondas – foi cortado! Ou seja, o futuro vai ser o que? (…) [O projeto] foi totalmente interrompido, porque a gente não pode contra a lama. Esse projeto tinha futuro se não acontecesse esse desastre também. (…) O pessoal também visa rio, pesca, tal, natureza…, mas não, tem várias pessoas envolvidas. Nesse caso, a gente [moradores em geral] foi atingido! (…) Eu larguei Vitória pra vir pra cá por causa da praia, por causa das ondas! Foi a primeira paixão.

Entrevistado(a) 2: Sua filha, né, [entrevistado 1], Gostava de tomar banho no rio. Os moleques aprendem a nadar no rio.

Entrevistado(a) 1: A cultura da gente aqui é todo mundo! O pessoal vinha pra praia de manhã, almoçava, lá pras duas-três horas, o sol do verão tava rachando, o que que a gente ia fazer? Onde que ia se refrescar? Não tem piscina! Pra onde que a gente ia?! Rio, cara! O rio era a segunda praia nossa! A gente chegava lá, tava lotado! (…) E a Samarco não vai me indenizar, porque eu fiquei sem surfar, sem levar minha filha no rio.