O Saber Adquirido do(a) Pescador(a) Artesanal

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2017

 

Entrevistador(a): Eu queria entender como é que esse saber pescar. Como é que um pescador, com a experiência do senhor, consegue descobrir, ler, entender que naquele lugar tem peixe, se orientar pelos elementos da natureza, o céu, o morro…

Entrevistado(a): É pela experiência e pela prática que a gente tem. A gente sabe a posição pra botar a rede. Hoje, por exemplo, eu botei aqui. Hoje deu pouco peixe, mas a água tá boa, então o peixe tá mais pra dentro, tá mais pra cima. (…) Oh, vamos botar mais pra cima, vamos botar mais pra baixo, ou vamos na beira-mar botar mais na beira da praia. A gente tem esse conhecimento. A própria vida ensina. Vamos dizer assim, que o melhor professor é o mundo. Então com a experiência a gente vai aprendendo, vai vivendo e vai tomando experiência daquilo. Meu pai pescava de canoa: “Meu filho, vamos pescar” “Tá bom” “Bota a rede aí”. Aí eu botava.  “Aqui não tem peixe, vamos ali”. Ali a gente acertava o peixe e pegava. Então essa experiência foi passando pra gente de pai pra filho.

Entrevistador(a): Mas tem algum tipo de observação?

​Entrevistado(a): Agora o GPS tem tudo certinho. Mas de primeiro não tinha nada disso.

​Entrevistador(a): Seu barquinho tem GPS?

Entrevistado(a) Não, não tem nada disso. Eu nem conheço… O [morro] Mestre Álvaro, da Serra, nós nos baseamos muito nesse morro. Quando a gente sai mais pra fora, esses morros valem muito pra gente. Se baseia por isso. E outra coisa eu vou dizer: de primeiro não tinha luz. Ia pro mar no turvo e voltava no turvo. Agora a luz clareia até a água do mar. 

​(…)

Entrevistado(a): Lua nova é muito bom pra peixe. Pode-se botar a rede que quando tá bom, no tempo certo. Agora nesse mês de março e abril não é bom pra dar peixe, mas no mês de maio, junho, julho já tá melhor. A lua influência muito, sabe? Crescente de lua é muito bom pra dar peixe.

​Entrevistador(a) Fala pra gente, como que é o dia do pescador? Que horas acorda, como é que faz, como que é a rotina do pescador?

Entrevistado(a): O pescador tem que acordar cedo. Por exemplo, vou pescar de anzol: quatro horas da manhã tenho que estar acordado tomando meu café pra eu ir. Tem que pegar camarão pra pescar, aí arrasta camarão de vai pescar de anzol, vai pra fora, vai até o alto – quatro horas, cindo horas pra fora pra pegar peixe. Mas quando bota a rede já bota pela beira, não bota lá pra fora. Mas sempre acordamos cedo, a rede pode ficar no mar, mas no outro dia a gente tem que acordar cedo pra ver.

​Entrevistador(a): Então você deixa a rede e no dia seguinte vai lá…?

​Entrevistado(a): Vai lá. E a gente marca pelas boias, e marca pelo morro. (..) às vezes a gente consegue um cardume bom, [porém] agora é muito difícil. Mas de primeiro dava muito cação, muita pescada, muita sarda, muita corvina. Corvina era um peixe que dava demais.

​Entrevistador(a): Isso nessa pescaria de quatro/cinco horas mar adentro?

Entrevistado(a) – Sim, aí é no alto [mar]… Quatro/cinco horas vai lá nos peixes de fora: nos pargos, nas garopas (…), papa-terra, esses peixes. Mais pra perto [beira-mar] é roncador, (…) Baiacu aqui dava demais – agora é que não tá dando, mas dava demais – em tempo frio, meio de junho e julho, dava baiacu aqui da gente até nem vender, salgar. Roncador, baiacu, pescadinha, esses peixes davam há vinte anos. Há dez anos eram os peixes que davam aqui na Barra. Era fartura mesmo. Agora não dá mais. Se dá, dá pouquinho, assim, de dez quilos [ao todo, por pescaria]. Eu vou duas vezes no mar pra matar 30 quilos,  40 quilos (…). De primeiro, 50 quilos de peixe se matava num dia só na maior facilidade. Ia no alto e quando voltava era 50-60kg de garoupa. Agora aqui não tem mais isso.