Impacto do crime-desastre da Samarco sobre a cadeia produtiva da pesca

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2017

Entrevistado(a): (…) eu tenho muito anos que eu atuo na área da pesca e o impacto [do desastre-crime da Samarco] foi muito grande. Eu antes vendia 18 mil reais e hoje eu não vendo nenhum mais. Minha vida ficou de pé a cabeça. (…) Eu fiz a entrevista [para receber o auxílio financeiro da Samarco], tem 2 meses que o envelope foi devolvido. E, eu ligo pra lá pedindo socorro – porque eu tô devendo muita gente mesmo, hoje eu mal faço pra mim comer –, e eles falaram pra mim que eu tenho que esperar, que eu tenho que esperar

Entrevistador(a): “Eles” são o pessoal da Samarco?

Entrevistado(a): É o pessoal da Samarco, com que eu fiz a entrevista. E, eu fico vendo aí gente que não tem nada a ver com a história, todo mundo recebendo, e eu [não]. (…) Na minha entrevista, eu fiz o seguinte: eu tenho 16 anos de carteirinha de pesca, mas eu não fiz em cima de pescaria, porque eu não vou no alto mar pescar. Mas, eu (…) vivo do peixe, (…) então, eu apresentei nota fiscal, tudo com CNPJ onde eu comprava 30 mil quase [de pescado por mês, porque eu vendia muito mesmo. (…) As notas das peixarias grande aonde eu comprei que tudo tem CNPJ, foi tudo apresentado. (…) Só que, até hoje, eles não me procuraram pra nada. Fizeram a entrevista, eles falaram comigo que meu cadastro foi aprovado, mandaram os envelopes com uma semana se eu olhasse e tivesse algo errado e eu quisesse questionar, eu poderia questionar, só que até hoje eles não me ligaram pra falar se vai me mandar o cartão, se não vão me indenizar…

Entrevistador(a): Já ligou saber o que aconteceu?

Entrevistado(a): Várias vezes. Já liguei umas 10 vezes eu acho, e eles só falam que eu tenho que esperar…. “Você tem que esperar”. Enquanto isso, o mundo cai na sua cabeça. (…) As minhas feiras, onde eu trabalhava na semana, eu tinha três feiras na semana, hoje eu mal tô fazendo uma. Onde eu vendia 3 mil reais na feira, eu tô vendendo 400 reais. (…) Eu tinha um(a) funcionário(o) que trabalhou comigo anos, e eu fui obrigado(a) a dispensar. Ele(a) foi embora, porque não tem como manter. Ficou só eu aqui no comércio.

Entrevistador(a): Você mora só?

Entrevistado(a): Eu sou sozinho(a) e Deus. (…) Eu moro de aluguel. Meu aluguel tem meses vencido e eu não consigo pagar. E eu fico esperando. Pra não ficar fechada a casa, [o locador do imóvel] deixa eu lá. Mas, infelizmente, tudo foi a zero. (…) eu tenho ali um monte de peixe, mas não vende mais. Antigamente você comprava o peixe, tudo que você que era marisco, você vendia. Hoje, você compra o pescado, bota aqui dentro, gasta gelo, vai pra feira, volta com ele, tem que salgar e colocar no sol. Aí, dá bicho, você joga fora, porque você não vende mais nada.

Entrevistado(a): Desde quando isso tá acontecendo?

Entrevistado(a): Isso aí começou de fevereiro [de 2016] pra cá. (…) em janeiro eu já senti a dificuldade, [porém] no carnaval foi a época que eu me afundei. Todo ano, na entrada do verão, eu compro de 10 a 12 mil reais [de pescado] e eu vendo tudo. Esse ano agora eu comprei 1.615,00 reais, (…) e eu não consegui vender. Agora esse carnaval [de 2017] tá aí, e eu não sei nem se eu vou comprar nada, porque ano passado eu não tive como pagar o que eu tava devendo. Foi um impacto muito grande. Não vendeu nada. Então o comércio tá a zero, o comércio na área da pesca tá a zero, o pescado tem que vim de fora. Se o peixe é daqui, as pessoas não compram, porque o peixe daqui tá tudo contaminado. (…) Então, como é que cê vai viver, vai viver de que, se a área da gente é essa?!

Entrevistado(a): Eu sei que é uma pergunta complicada, assim, mas você já pensou em fechar?

Entrevistado(a): Não, não fecho. (…) Eu tenho fé em Deus que eu não fecho, [por]que eu amo muito isso aqui, entendeu? Eu gosto muito do meu trabalho, adoro (…)! Mas é aquilo que eu tô te falando, o peixe tem, eu consigo, o problema é vender o peixe. Tem muita gente com medo, mas ainda tem aquelas pessoas que ainda confia, (…) só que o comércio caiu muito. Não tem jeito. (…) Vende muito pouco, o consumo ficou muito pouco e o preço [do pescado] ficou muito caro.

Entrevistador(a): O peixe que você compre está vindo de onde agora, [dada a proibição da pesca no norte do Espírito Santo, devido ao crime-acidente da Samarco]?

Entrevistado(a):  Eu compro do estado do Rio, que tá vindo muito, porque da Bahia agora também não pode comprar (…). O negócio hoje é a condição de compra que não tem mais. (…) Hoje, ficou mais difícil de comercializar, ficou ruim pra você comprar também. (…) O povo ficou com medo de comer o peixe.

Entrevistador(a): Você notou alguma diminuição no fluxo de turistas aqui?

Entrevistado(a): Não vem ninguém aqui. Antigamente, numa época dessa agora, se você chegasse aqui eu não podia dar atenção a você. Carro, começava de lá até meu acostamento aqui, num tinha lugar pra parar não. Eles [os turistas] iam parar lá em baixo. Já tem dois anos [2016 e 2017] que eu não tô vendo isso, depois desse negócio dessa lama.