História da pesca em Barra do Riacho (parte 2)

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2017

Depois que chegou Aracruz Florestal há 40 anos atrás, veio com o trator, aquelas correntes desse tamanho, um trator vinha de lá e outro de cá, aí ia derrubando tudo e depois tacava fogo. Vinha um trator de cá e outro de lá e ia derrubando tudo quanto é mata, a mata foi acabando, os animais também (…) foram destruídos. Eles também perderam o seu habitat. Então, a Aracruz Florestal, na época, desmatou toda essa região, e comprou também outras áreas aí para o plantio do eucalipto. Depois foi transformado em Aracruz Celulose, que aí começou a construção da fábrica e veio chegando gente. Aí quando começou a construção da fábrica veio chegando gente do estado todo. Aí a Barra do Riacho não estava preparada para essa população, foi inchando e a gente não tava mais conhecendo as pessoas e começou a ver também prostíbulo, drogas, e isso foi contaminando e a Barra do Riacho foi inchando e, na verdade, a gente ficou sem segurança também. 

Ah, foi complicando mais ainda, foi chegando as empresas também na nossa região, aqui na Barra do Riacho e  Aracruz, Aracruz foi crescendo, inclusive depois de Sauaçu passou para Aracruz, porque o município mesmo, a sede, era em Santa Cruz. A política é uma coisa terrível, sabe? Por exemplo, você vê que os impostos que saem daqui é grande, é alta, devido ao porto que tem aqui, tem muitas empresas aqui importantes, mas é pouco investido aqui. Mas Aracruz cresceu de tal maneira que todo mundo veio morar aqui e cada pedaço de terra lá ficou caro demais, não só terra, mas também o custo de vida ficou alto, muito alto em Aracruz, um aluguel ali é difícil você encontrar algum salário, é dali pra cima.na verdade, cada espaço as pessoas foram entrando. E na verdade, a gente, como não tinha aquela visão que viria realmente pra cá, mas os que estavam de fora sabiam o que estava para acontecer, inclusive agora vai ser construído outro porto aqui na frente, a intenção é aumentar o porto mais pra frente depois desse aí. E depois construir outro porto aqui na NutriPetro. Olha, eu vejo o seguinte: na minha forma de ver, é que em Barra do Riacho, um dia, todo mundo vai sair daqui, porque essa área aqui é interessante para as empresas, principalmente para a Fibria, a PortoCell (…) Porque a linha de ferro que tem aqui, porque esse rio que temos aqui está completamente contaminado, mas se a Fibria pegar para usar essa área aqui, pra eles vai ser bem melhor porque o custo vai ser bem mais barato porque a madeira, as embarcações podem entrar aqui pra poder (…) o escoamento da madeira, tanto pra tirar pra fora, o pátio, o porto lá ampliar pra outra coisa. Então existem vários projetos que eu vejo que provavelmente Barra do Riacho vai ser completamente (…) vão fazer outro bairro aí fora pra oferecer pra comunidade.

​A pesca, ela está completamente prejudicada. Por exemplo, esses navios que ancoram aí, você não pode mais colocar uma rede, porque elas podem ancorar (…) botar a âncora em cima de uma rede daquelas, como é que você vai tirar depois? Ou esse porto, por exemplo, que vai ser ampliado aqui, é um lugar onde o pessoal coloca a rede também, rede de pescadinha, o pessoal pesca aqui na beira, principalmente os que trabalham bem na área artesanal, então a tendência é acabar. Olha, nós tivemos aqui um impacto muito grande. Esse rio aqui era corrente, ele vinha lá de Vila do Riacho, ele tinha uma força muito grande, por exemplo quando a maré enchia e quando ela começava a vazar ela fazia muita força e o rio descia com muita força. Hoje ela está praticamente uma lagoa, porque foi feita uma barragem lá em cima, a Fibria, a Aracruz Celulose desviou o rio pra poder abastecer a fábrica e o rio aqui ficou sem força, ou seja, foi assoreando aqui o rio, assoreando inclusive com os dejetos fecais, porque aqui não tem tratamento de esgoto. Então o que acontece, perdeu a força aqui no canal, ou seja, o rio não tem mais força pra empurrar a areia, porque ali na boca da Barra é areia, não sei se vocês perceberam. Pois é, então a tendência tá fechando direto.

​Sobre o desastre, esse evento da Samarco, da lama, para aqueles que pescam no mar teve um impacto forte, por quê? Porque eu tenho muitos amigos que pescam camarão e eles têm dito pra mim que depois que eles puxam a rede e despejam o camarão no convés da embarcação, depois que lava o camarão fica aquele minério em cima do convés do barco brilhando, porque o camarão dá na lama – o sete barbas, por exemplo – então o convés fica brilhando devido ao minério que desceu do Rio Doce. Então, o que que eu vejo em relação a quando é que vai acabar? Eu acredito que nunca porque não tem como você limpar o mar mais. O Rio Doce, por exemplo, se limpar pra poder deixar como era antes é complicado, agora você imagina o mar. Então o pescador foi impactado pra sempre, na minha visão – os que pescam no mar. E a gente também né, porque a gente não pode mais comer o peixe, que está sendo proibido. Eu não me arrisco a comer o peixe. Então, a gente que foi criado com peixe (…) O que fazer? O impacto foi grande, não só para os pescadores mas também para a comunidade geral, porque o pescador vai pescar, e ele que compra na venda, o comerciante vai vender como? Tem pescador daqui que fica dias, vai longe né. Sai até fora do estado pra poder buscar o produto. Então ficou complicado, infelizmente o que aconteceu lá em Mariana foi muito forte, foi um crime bárbaro que, na verdade, é difícil quando se fala em recuperação, difícil. Pra gente que conhece, pra gente que trabalha na água, sabe que é difícil pra recuperar o Rio Doce, pra dar vida ao Rio Doce.

Olha, eu vou dizer uma coisa pra você, esses ultimos anos tá tendo muita prostituição e drogas, isso aqui tá muito forte. Tem lugar aqui que eu não aconselho você ir à noite com seu carro, principalmente com a placa que não é da região – mesmo sendo da região, eles conhecem todo mundo, quem é quem, esse pessoal que eu estou falando. Não andar com o vidro fechado pra eles saberem, não andar com o farol apagado, então é tudo perigoso aqui, tem uns lugares assim… Por isso eu estou falando pra você, no início, Barra do Riacho era um lugar pacato. Eu lembro muito bem como tudo começou, quando chegou o primeiro fogão a gás, o primeiro rádio, televisão – quando começou a aparecer preto e branco (…). Então é uma história muito longa. Hoje é completamente diferente. Evoluiu, sim. Mas a maldade também evoluiu, tá muito grande aqui na nossa região.