História da pesca em Barra do Riacho (parte 1)

Fragmento de entrevista realizada com pescador(a) artesanal em 2017

Sou filho de pescador, tenho orgulho de ter uma família de pesca, sou nascido aqui, na Barra do Riacho, e na verdade, era um lugar… era realmente uma colônia de pescadores, que só viviam da pesca e também da roça. Mas quando a gente começou a pescar, foi bem artesanal, não tinha embarcação a motores, era um pano, a vela, as minhas primeiras canetas foram o remo, trabalhava no remo porque não tinha barco a motor na época, inclusive quando começou a aparecer motor aqui, não tinha posto de gasolina aqui na região. E hoje está mais moderno, mas eu comecei minha vida pescando com meu pai, [nome suprimido], essa rua aqui embaixo tem o nome dele, o estaleiro aqui onde conserta barco tem o nome dele, o nome dele era muito falado porque foi um dos maiores pescadores, porque ele pescava muito no alto mar, ficava dias lá. Temos várias histórias que a gente passou, histórias de companheiros que tivemos e que não voltaram até hoje, morreram no mar (…). Mas naquela época tinha muita fartura de pescado. Quando começamos a trabalhar aqui era rede de barbante, não tinha rede de náilon, era rede de barbante. Para ancorar o barco, a gente fazia de cipó, porque a mata daqui era virgem e tirava o cipó. Como também não tinha material para fazer âncora, a gente usava uma pedra e fazia um gancho e dava o nome de “enxacho”, para ancorar e amarrava no cipó. As bóias, hoje se usa isopor e outros tipos de bóia, naquela época a gente usava “jiboa”, uma madeira que tem no mangue, então era completamente, muito artesanal quando a gente começou a pescar. 

Eu tive também mais quatro irmãos que foram pescadores. Nós cinco fomos pescadores. Agora, eu vivi muito junto com ele porque eu aprendi os pontos de pesca, os pesqueiros, ele me ensinou tudo. Até como se faz um pano pra poder bordejar (…) os nomes, né. O que é uma ostaga (é um material que tem no mastro), o que é uma amora, o que é uma escota (material que tem no pano), o que é um içador, o que é fazer um triângulo, o que é fazer um pano, boca da galeota, tudo de pano. Como é que usava com muito vento, com pouco vento (…) entendeu? Então tudo na área de navegação, meu pai me ensinou. Eu gostava também muito da pesca, e gosto ainda. Eu olho assim para o mar e me dá saudades. Parei porque tive um AVC em 2005, Lá no mar tem que ter muito equilíbrio, desviar da onda… Então eu perdi esse equilíbrio. Tenho mais saudades dos pontos, porque eu ia lá e já sabia que o peixe estava ali. É, eu tenho o mapa na cabeça, por exemplo, se eu deixar uma armadilha daqui a quatro ou cinco horas de distância. Deixo lá, sem bússola, sem nada, eu vou em cima certinho e encontro. Olha, nós usávamos muito espinhel, rede e linha de fundo, nós pescávamos muito (…). Eu peguei muito Chanote, não sei se você conhece, é um peixe que dá no fundo, que dá a 150 metros, 200, vai embora de profundidade… Namorado, Badejo, Garopa, Papatel, esses peixes assim, e Cação, né. A gente pegou muito Tubarão de 80, 100 quilos, era comum, era normal.

O rio daqui era um rio limpo, você podia tomar banho, as mulheres até lavavam roupa aqui nesse rio. É incrível, as pessoas nem acreditam, e tinha muito peixe, muita fartura. A gente evitava até de pescar porque na época não tinha gelo, era no sal, salgava o peixe (…) e tinha dificuldade em tudo na época, mas a fartura de peixe tinha. O meio ambiente era bem preservado porque ninguém (…) todo mundo usava o bem natural e tinha de tudo aqui, o mangue era perfeito. A gente pescava muito no mar, no rio só quando o tempo às vezes caía um temporal a gente ia no rio. Dava muito robalo na época, a gente pescava o robalo pra poder (…) no dia a dia, né (…) a gente tinha dificuldade até de vender porque você salgar robalo é complicado, então a gente tinha dificuldade de vender, mas a gente usava muito produto da roça, a gente também produzia (…) a mandioca, o feijão, o milho (…) Haviam essas plantações, abóbora (…) então a gente não ficava refém de ter esses produtos, a gente produzia, meu pai produzia. E também, além disso, tinham os animais que ele produzia, tinha cabritos, tinha pato, porcos. Então ele criava muito, tinha muita criação além da pesca. O carro-chefe era a pesca.

​A vila era pequena, antigamente o futebol era aqui no meio da rua. Naquela época não tinha energia, até os homens brincavam de esconde-esconde, porque era tão normal. Então, Barra do Riacho tinha poucas casas e o campo de futebol era no meio da rua aqui no centro. Hoje tá completamente diferente. As casas eram de estuque, amarradas com cipó, embarradas. Então a gente viveu essa época e depois, mais tarde, a gente começou a fazer tijolo. Eu mesmo fiz muito tijolo, sei fazer caieira pra cozinhar tijolo. Então tudo isso eu aprendi a cada dia. É, aqui era um lugar pacato, você podia deixar a bicicleta, essas coisas assim do lado de fora, ninguém “panhava”, tava todo mundo dentro de casa mesmo, você podia ficar à vontade. 

​E, na verdade, a dificuldade de chegar aqui era muito grande porque no início o pessoal ia pra, na época do meu pai, quando ele começou a trabalhar no mar, o produto vinha de embarcação de Vitória. Eles levavam o produto e traziam. E a gente chegava em Vitória e tinha que marcar data. “Olha, eu vou à Vitória pra comprar material, por exemplo (…) roupa pro Natal, por exemplo. Aí você tinha que ir a pé até Santa Cruz, de Santa Cruz você tinha que atravessar de barco que tinha lá, o caiaque, e de lá você pegava o ônibus pra poder chegar em Vitória. E era tudo estrada de chão. Aqui o ônibus, na Barra do Riacho, só tinha um horário que saia daqui. E era tudo estrada de chão também. Saía daqui, passava na Vila do Riacho, depois passava em Cachoeirinha, em Corrego D’Água, passava Taquaral, depois chegava em Aracruz, que antes era Sauaçu (nome de um animal de caça). E de lá ia caminhando até Santa Rosa, ia até Nova Almeida sentido Vitória. Levava um tempão. Então, o motorista carregava corrente, então quando atolava, era lama né, estrada de chão, aí usava corrente pra poder sair da estrada. E daqui pra Aracruz era caminho, não tinha estrada assim como tem hoje. O daqui você ia de bicicleta e demorava umas três horas porque dava muita volta no caminho. E tem uma coisa, a mata tinha um nome Mata Comprida porque tinha muitos animais ferozes, muitos predadores, e tinha aqui, por exemplo, na Barra do Riacho, pássaros de todas as espécies e, na verdade, a gente vivia num “Éden”. Tinha animais aqui que, inclusive árvores, de lei, madeira de lei aqui na nossa região. Perobas e tanto outros mais… E tudo foi levado pro chão.